terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Breaking Bad - uma obra prima


Imaginem um roteirista chegar a uma rede de TV com a idéia de um seriado sobre um professor de Química de meia idade, um gênio incompreendido,  que descobre que está com câncer de pulmão e tem menos de dois anos de vida. Sem perspectiva alguma, principalmente financeira (ei! ele é professor!) ele descobre junto com um ex-aluno drogado que fabricar e vender meta-anfetamina pode ser a solução para todos seus problemas, principalmente os financeiros, e a chance de deixar a sua família segura após sua morte. Bem, esse roteirista seria no mínimo escrachado pela surrealidade de sua ideia. Pois é essa a história de Vince Gilligan, que recebeu alguns nãos mas não desistiu de seu sonho. Sem mudar uma vírgula de seu projeto inicial, ele insistiu e acabou convencendo os executivos do canal a cabo americano AMC a apostarem em seu piloto. 

O resto é história.


(SPOILERS A FRENTE, CUIDADO!)



BREAKING BAD ("Chutando o balde", "Ligando o foda-se", numa tradução beeeem livre, ou mesmo "Tornando-se mau", ao pé da letra) é o seriado sensação da atualidade. Sucesso em todo o mundo, teve 65 episódios divididos em cinco temporadas e chegou ao fim recentemente. Elevou ao estrelato praticamente todo o elenco, com láureas para Bryan Cranston, o protagonista Walter White, Aaron Paul (Jesse Pinkman, aco-protagonista), Anna Gunn (Skyler White, esposa de Walt) e Dean Norris (hank Schrader, cunhado de Walt). 

Mas o que tem essa pérola da teledramaturgia de tão especial para angariar tantos fãs e ser merecedor de todos os prêmios e elogios da crítica mundial? Afinal, é a história de dois foras-da-lei que destroem lares com seu produto. É principalmente a história de um pacato homem de família que se transforma gradativamente num monstro, ávido por poder e dinheiro. Então, não deveríamos odiá-lo? Em tese sim. Mas  a construção do personagem (aliás, de todos eles), a direção precisa, hora intimidante, com seus planos fechados e curiosos, hora temerosa, como se espiássemos a cena escondidos, e principalmente o texto de Gilligan e seus colaboradores nos leva a apaixonarmos por esse anti-herói e torcer por ele. Sim, ele fica mau, ele vira um monstro, por assim se dizer, mas nós torcemos por ele, porque sabemos que no fundo ele é uma boa pessoa, que vai até as últimas consequências para cuidar de sua família. Ou não, como descobrimos no final, quando ele revela a Skyler, numa primorosa cena, que fez aquilo tudo por ele, porque ele se gostava. Porque ele se sentiu vivo!

E como!

Em Breaking Bad tudo se encaixa, nada é jogado a esmo, nada para tapar buracos, nada para enganar o espectador. Tudo está ali por um motivo, que é contar aquela história. Gilligan lançou mão, para tanto, de técnicas pouco usuais em roteiros para TV e que beneficiaram a percepção visual da série, principalmente para os mais atentos. Por exemplo, a teoria das cores. A ausência desse artifício, claro, não desmereceria a série e principalmente não afetaria a compreensão da história pela audiência, mas a sua inclusão só a fez  angariar em excelência. 

Por exemplo, o verde, que simboliza não somente a esperança, mas é a cor do dinheiro, da ambição. Walter   White usa constantemente o verde, principalmente quando sua sede de poder começa a aflorar. Skyler, quando começa a trabalhar com Walt começa usar roupas verdes. O amarelo, que simboliza o medo, a precaução, está presente nas roupas de Jesse, no início, e também nas roupas de Gus Fring, o traficante mór, inclusive na cor dos aventais de sua rede de restaurantes, o Pollos Ermanos. O marrom, que simboliza a coragem, a força,  retidão, é a cor principal do figurino de Hank, personagem que mantém sua conduta até o final. Sua esposa, Marie, usa muito o roxo (até na decoração de sua casa), cor que simboliza proteção, segurança. O vermelho do sangue, da violência, está sempre presente em momentos de tensão e atos violentos. Até o controle remoto que Walt usa para acionar a metralhadora no carro no último episódio é vermelho!  O cinza, que representa momentos depressivos, está presente até no nome da empresa que Walt fundara com um antigo colega, a Grey Matter, empresa essa que deixou o colega bilionário e ele, que vendera sua parte, na merda. Sem falar do preto, que simboliza o poder, mas também a morte, se faz presente a medida que Walter vai cedendo espaço para Heisenberg, seu alter-ego, ou quando Hank, motherfucker, está para agir, investigando o caso das "metanfetaminas azuis". É cor do figurino do matador Mike! E é a cor do figurino de Jesse, quando esse trabalha como segurança para Mike. E claro, há o branco, que é a soma de todas as cores, de todos os sentimentos, ora complementares, ora conflitantes: White. Walter White! Fantástico! 

Até a trilha sonora, que em outros seriados é tratada como um simples alento, aqui ganha papel especial, como se fosse um personagem a parte. As músicas escolhidas a dedo para cada ocasião dispensariam até diálogos, pois descrevem com precisão o sentimento da cena.  Por exemplo, "Baby Blue", canção de Badfinger. A música foi inserida nos últimos minutos da série, quando Walter se despedia de nós. A canção trás vários trechos que podemos associar tranquilamente à Breaking Bad (letra aqui), mas certamente o "Baby Blue" de Walter é o seu trabalho, sua "cria" (a metanfetamina azul), seu laboratório, que tanto tens orgulho.

Enfim, como nos ensina o professor Walter White em uma de suas aulas, química é a transformação da matéria". E é a transformação de Walt em Heisenberg que mais chama a atenção em Breaking Bad.  Veja essa compilação feita por um fã da série (em inglês):



Breaking Bad chegou ao final de maneira até previsível, mas extremamente honesta, tanto com o telespectador, quanto com os personagens e suas histórias. Nada foi inventado. Nada foi tirado da cartola.  É o que é. Walter, mesmo contra todas as adversidades  consegue garantir o futuro financeiro da família (ok, com bem menos do que ele gostaria, mas 9 milhões de dólares são 9 milhões de dólares!), elimina da face da terra a gangue nazista que lhe roubara a grana e escravizara Jesse para este "cozinhar" sua metanfetamina, e de quebra salva esse, a quem anteriormente gostaria de matar. E morre com certa dignidade dentro do lugar em que mais foi feliz nos últimos anos: um laboratório.


Heil Heisenberg! Que venham mais Breaking Bads! 




Um comentário:

  1. Ainda nao vi o fim da 5a temporada. Mas sim, uma das melhores séries q já vi, apesar de algumas temporadas do meio estarem só enchendo linguiça.

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